Esta semana eu descobri o verdadeiro sentido da palavra
perrengue.
Na quinta-feira passada, combinei com um amigo alemão - que adora o Brasil e é uma figuraça! - de visitá-lo em Colônia, onde ele mora, após o meu expediente. O trem de Bonn para lá geralmente leva de 25 a 30 minutos, dependendo do tipo do trem e da estação em que se desce.
Ele mora justamente perto da estação mais distante, onde eu nunca tinha descido. Cheguei tarde, pra lá das nove da noite, e ficamos batendo papo até o sol se pôr completamente, perto de onze horas, em uma bonita área verde às margens do rio. Eu tinha visto no plano da estação que haveria um trem que sairia às 23h26 e passaria por Bonn. "É esse", pensei.
Ele me levou até a estação e também leu "Bonn" na placa indicando os trechos por onde o RE 9 passaria. Antes de embarcar, a locutora da estação ainda chamou em voz alta os passageiros que embarcariam no trem com destino a Siegen passando por "... Bonn". Fechou! Não tinha como errar.
Percebi logo de início que o trajeto era diferente dos trens que costumam fazer Colônia-Bonn. Imaginei que ele devia fazer as estações mais afastadas antes de chegar à estação central da minha cidade. Passou por várias estações de nome familiar, que eu sabia que ficavam nos arredores, mas nada de
Bonn Hauptbahnhof chegar. E se passaram 20, 30, 40 minutos... ops! Tem algo errado aí! Os nomes das próximas paradas já me eram totalmente desconhecidos neste momento. E a moça que controla o bilhete já tinha passado há muito tempo. Hummm... desci para pedir informação e de me deparei com um mapa das trajetórias dos trens que cobrem a região.
Qual não foi a minha surpresa quando descobri, pra lá de meia-noite, que a linha que eu peguei fazia o trajeto exatamente oposto ao que eu deveria fazer a partir da estação
Siegburg-Bonn (aí estava o "Bonn"que a gente ouviu e leu em Colônia). Eu deveria ter descido lá, tipo 20 minutos atrás, e de lá ter pego um metrô para a estação central de Bonn.
Não imaginei a dimensão do problema na hora. Só pensei que o mais óbvio era descer e esperar, na plataforma oposta, por um novo trem que me levasse na direção contrária. Ia chegar tarde em casa, mas paciência. Desci na estação de
Au (é, o nome da parada já não era bom presságio), a primeira após eu ter descoberto o engano, e saí correndo para conseguir pegar o outro trem. Mas... que trem? Não tinha nada além de uma placa indicando "veja os horários no plano".
Era 0h20 e não se ouvia o barulho de mais nada, além do meu coração saltando pela boca de nervosismo. Vi um funcionário da empresa de transporte que passava apressado e perguntei a ele quando saia o próximo trem para Bonn. Ele olhou no relógio e me disse "às 4h20". Meus olhos se encheram de lágrimas. E nem adiantaria tentar outra estação próxima, ele disse. Não tinha mesmo mais como viajar naquele horário. "Lamento muito".
A estação era bem velha. Não tinha um único banco ou cadeira ao alcance dos meus olhos. Começava a esfriar. Eu me encontrava sozinha, no meio do nada. Liguei para o meu amigo, chorando, para ele me dizer onde eu estava. Assustado, ele tentava entender como é que a gente tinha se confundido. Pela internet, descobriu que eu estava em uma vila de 325 habitantes a 60 quilômetros de casa. Segundo o disque-taxi, primeira solução que veio à cabeça, a corrida não sairia por menos de 100 euros - quantia da qual obviamente eu não dispunha na hora e, confesso, nem estava disposta a pagar.
A solução seria procurar um outro lugar para passar as próximas quatro horas. Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Quando finalmente consegui sair da área dos trens, vi uma plaquinha informando que haveria um hotel em algum lugar a 300 metros. A seta indicava para uma rua com algumas casas, mas completamente no escuro. Dei alguns passos, mas logo voltei. Na área em volta só tinha mato.
Au era definitivamente uma roça.
Por sorte, ouvi o barulho de trem e voltei para a estação. Uma linha acabava de completar seu itinerário ali - só partiria na manhã do dia seguinte. Mas pelo menos havia algumas pessoas desembarcando. Teria a quem perguntar para onde ir. Ainda com a voz embargada, abordei um casal.
"Sei que parece inacreditável, mas peguei o trem errado e agora não posso voltar para Bonn. Também não tenho como ficar aqui nesta estação ao relento. Vocês sabem onde existe um hotel aqui?".
Eles ficaram morrendo de pena, pelo jeito com que me olharam. Lamentaram meu engano e disseram que me levariam lá de carro. O "hotel" (imagine um hotel num lugar onde moram 325 pessoas?!) estava fechado e com todas as luzes apagadas. No meio do caminho, enquanto eu informava meu amigo por telefone de que estava com um jovem casal que acabara de conhecer (e também para eles virem que eu não estava sozinha no mundo), um perguntou pro outro o que achava de me levarem para casa, pois dadas as circunstâncias e o horário, o melhor seria me darem abrigo.
Inga e Sebastian foram dois anjos: ela fez uma caminha para mim no escritório; ele perguntou se eu estava com fome e me ofereceu pão, queijo... Eu disse que já tinha comido. Ela ainda fez um mapinha de como eu deveria me orientar na estrada no meio do mato para sair da casa deles e voltar à estação dali a algumas horas.
Não consegui pregar os olhos até dar a hora de partir. Decidi pegar o trem das 5h20, para não ter que andar no escuro. Aí veio, claro, a última aventura da noite: começou a chover forte na hora de sair. Coloquei uma sacolinha plástica que tinha na bolsa na cabeça e cheguei com o resto todo molhado a tempo de pegar o trem que, finalmente, me traria de volta para casa.
Na mesa do escritório de Inga e Sebastian deixei um bilhete agradecendo o que fizeram por mim e com meu e-mail. Espero que entrem em contato. Quem sabe não é o início de uma bela amizade?