domingo, 17 de julho de 2011

Simpáticos, mas barulhentos

Mandar recado pela janela do prédio, chamar um conhecido do outro lado da rua ou cantar feliz e sóbrio dentro do ônibus definitivamente não é algo tipicamente alemão. A turma por aqui não gosta muito de levantar a voz.

A economia de ruído chega a ser tamanha que o marido de uma amiga contou dia desses que, durante uma partida de futebol feminino à qual assistia pela televisão, ele teve certeza que a trasmissão estava com problemas. Ouvia-se quase nada - ou muito pouco - entre uma jogada e outra. Ele aumentou o volume, mexeu no cabo da antena, apertou botões e nada. Ao mudar de canal, descobriu que não havia defeito de transmissão, não. Simplesmente este era o estilo alemão de transmistir a partida (Galvão Bueno não teria muito futuro por aqui)

Vinda de uma família de sangue baiano, sem muito jeito com o recatamento ou com o fino trato, fui criada no meio do barulho, da música, do furdunço e da confusão. O silêncio germânico às vezes me incomoda, mas estou na casa deles e o que me resta é tentar me adaptar. O que implica também em reduzir o volume dos meus decibéis.

A turma brazuca que vive em Bonn também vive a mesma situação. Frequentemente a gente escuta a frase  "die Brasilianer sind nett aber so laut!!" (os brasileiros são simpáticos, mas tão barulhentos!!) - o que de todo não é uma injustiça, mas ainda assim nos deixa um pouco indignados com o tom de exagero. Nossa mesa no almoço da DW, por exemplo, é a mais agitada e sorridente. Mas a gente não chega a ponto de incomodar a refeição de ninguém... eu acho...

Dia desses às 21h20 eu cheguei em casa, liguei o computador eu mal esperava para falar com a minha mãe pelo Skype. Minha conexão wlan do prédio só funciona bem perto da janela. Chamada feita, fui perguntando as novidades para ela enquanto trocava de roupa e pegava um suco na geladeira no meu microapartamento. Óquei, eu falava um pouquinho alto nessa hora. Mas a impaciência do meu vizinho não o deixou esperar mais de cinco minutos (juro!) para vir bater na minha porta: "será que dá para falar mais baixo, por favor? Ou então fechar toda a sua janela? estou tentando dormir e não consigo!".  "Claro, desculpe", eu disse, sem querer estender a conversa. Ao fechar a porta, pensei: "pô, quem é que vai para a cama às nove da noite?!?!?"

Esta semana a reclamação foi no meu aniversário. Em determinado momento, alguém resolveu puxar o parabéns - imagina, aniversário sem parabéns não tem graça! Versão em português, versão em alemão... quando estava apagando a última velinha veio o garçom (que também tinha a maior pinta de estrangeiro) e pediu, meio sem-graça, que parássemos de fazer barulho. Inacreditável! Num bar cujo nome é Havanna e leva a foto do Che estampada no cardápio, música ao fundo, cheio de gente jovem, não se pode cantar "parabéns"! Surreal! Ainda acho que se tivéssemos cantado apenas a versão na língua local, talvez não tivessem implicado com a nossa alegria. Enfim, decidi não colocar meus pezinhos lá novamente tão cedo.

Turma do barulho no Havanna

Só digo uma coisa: aaaaahhhh, se eu tivesse uma laje!!!!

sábado, 9 de julho de 2011

Acolhida na casa de desconhecidos

Esta semana eu descobri o verdadeiro sentido da palavra perrengue.

Na quinta-feira passada, combinei com um amigo alemão - que adora o Brasil e é uma figuraça! - de visitá-lo em Colônia, onde ele mora, após o meu expediente. O trem de Bonn para lá geralmente leva de 25 a 30 minutos, dependendo do tipo do trem e da estação em que se desce.

Ele mora justamente perto da estação mais distante, onde eu nunca tinha descido. Cheguei tarde, pra lá das nove da noite, e ficamos batendo papo até o sol se pôr completamente, perto de onze horas, em uma bonita área verde às margens do rio. Eu tinha visto no plano da estação que haveria um trem que sairia às 23h26 e passaria por Bonn. "É esse", pensei.

Ele me levou até a estação e também leu "Bonn" na placa indicando os trechos por onde o RE 9 passaria. Antes de embarcar, a locutora da estação ainda chamou em voz alta os passageiros que embarcariam no trem com destino a Siegen passando por "... Bonn". Fechou! Não tinha como errar.

Percebi logo de início que o trajeto era diferente dos trens que costumam fazer Colônia-Bonn. Imaginei que ele devia fazer as estações mais afastadas antes de chegar à estação central da minha cidade. Passou por várias estações de nome familiar, que eu sabia que ficavam nos arredores, mas nada de Bonn Hauptbahnhof chegar. E se passaram 20, 30, 40 minutos... ops! Tem algo errado aí! Os nomes das próximas paradas já me eram totalmente desconhecidos neste momento. E a moça que controla o bilhete já tinha passado há muito tempo. Hummm... desci para pedir informação e de me deparei com um mapa das trajetórias dos trens que cobrem a região.

Qual não foi a minha surpresa quando descobri, pra lá de meia-noite, que a linha que eu peguei fazia o trajeto exatamente oposto ao que eu deveria fazer a partir da estação Siegburg-Bonn (aí estava o "Bonn"que a gente ouviu e leu em Colônia). Eu deveria ter descido lá, tipo 20 minutos atrás, e de lá ter pego um metrô para a estação central de Bonn.

Não imaginei a dimensão do problema na hora. Só pensei que o mais óbvio era descer e esperar, na plataforma oposta, por um novo trem que me levasse na direção contrária. Ia chegar tarde em casa, mas paciência. Desci na estação de Au (é, o nome da parada já não era bom presságio), a primeira após eu ter descoberto o engano, e saí correndo para conseguir pegar o outro trem. Mas... que trem? Não tinha nada além de uma placa indicando "veja os horários no plano".

Era 0h20 e não se ouvia o barulho de mais nada, além do meu coração saltando pela boca de nervosismo. Vi um funcionário da empresa de transporte que passava apressado e perguntei a ele quando saia o próximo trem para Bonn. Ele olhou no relógio e me disse "às 4h20". Meus olhos se encheram de lágrimas. E nem adiantaria tentar outra estação próxima, ele disse. Não tinha mesmo mais como viajar naquele horário. "Lamento muito".

A estação era bem velha. Não tinha um único banco ou cadeira ao alcance dos meus olhos. Começava a esfriar. Eu me encontrava sozinha, no meio do nada. Liguei para o meu amigo, chorando, para ele me dizer onde eu estava. Assustado, ele tentava entender como é que a gente tinha se confundido. Pela internet, descobriu que eu estava em uma vila de 325 habitantes a 60 quilômetros de casa. Segundo o disque-taxi, primeira solução que veio à cabeça, a corrida não sairia por menos de 100 euros - quantia da qual obviamente eu não dispunha na hora e, confesso, nem estava disposta a pagar.

A solução seria procurar um outro lugar para passar as próximas quatro horas. Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Quando finalmente consegui sair da área dos trens, vi uma plaquinha informando que haveria um hotel em algum lugar a 300 metros. A seta indicava para uma rua com algumas casas, mas completamente no escuro. Dei alguns passos, mas logo voltei. Na área em volta só tinha mato. Au era definitivamente uma roça.

Por sorte, ouvi o barulho de trem e voltei para a estação. Uma linha acabava de completar seu itinerário ali - só partiria na manhã do dia seguinte. Mas pelo menos havia algumas pessoas desembarcando. Teria a quem perguntar para onde ir. Ainda com a voz embargada, abordei um casal.

"Sei que parece inacreditável, mas peguei o trem errado e agora não posso voltar para Bonn. Também não tenho como ficar aqui nesta estação ao relento. Vocês sabem onde existe um hotel aqui?".

Eles ficaram morrendo de pena, pelo jeito com que me olharam. Lamentaram meu engano e disseram que me levariam lá de carro. O "hotel" (imagine um hotel num lugar onde moram 325 pessoas?!) estava fechado e com todas as luzes apagadas. No meio do caminho, enquanto eu informava meu amigo por telefone de que estava com um jovem casal que acabara de conhecer (e também para eles virem que eu não estava sozinha no mundo), um perguntou pro outro o que achava de me levarem para casa, pois dadas as circunstâncias e o horário, o melhor seria me darem abrigo.

Inga e Sebastian foram dois anjos: ela fez uma caminha para mim no escritório; ele perguntou se eu estava com fome e me ofereceu pão, queijo... Eu disse que já tinha comido. Ela ainda fez um mapinha de como eu deveria me orientar na estrada no meio do mato para sair da casa deles e voltar à estação dali a algumas horas.

Não consegui pregar os olhos até dar a hora de partir. Decidi pegar o trem das 5h20, para não ter que andar no escuro. Aí veio, claro, a última aventura da noite: começou a chover forte na hora de sair. Coloquei uma sacolinha plástica que tinha na bolsa na cabeça e cheguei com o resto todo molhado a tempo de pegar o trem que, finalmente, me traria de volta para casa.

Na mesa do escritório de Inga e Sebastian deixei um bilhete agradecendo o que fizeram por mim e com meu e-mail. Espero que entrem em contato. Quem sabe não é o início de uma bela amizade?

Sobre burcas e berimbaus

Um dos poucos assuntos sobre os quais eu realmente me calo é religião. Sou cristã (talvez até possa me definir católica, pois apesar das minhas centenas de críticas ao Vaticano), mas sempre respeitei a fé e a convicção alheias. Não me lembro de algum dia ter tentado convencer alguém à força de que as minhas crenças seriam mais corretas. E sempre detestei quem fizesse isso.

Mas há coisas que não passam despercebidas. E é impossível dizer que não me sinto incomodada, de certa maneira.

A forte presença muçulmana no lado ocidental da Europa não é mais novidade para ninguém. Claro, eles - ou melhor, elas - são bastante visíveis, por assim dizer. A todo momento, por menor que seja a cidade, a gente topa com mulheres usando véus cobrindo os cabelos ou mesmo burcas inteiras, deixando só os olhos de fora.

Mas na semana passada foi a primeira vez que eu vi uma jovenzinha turca jogando capoeira. Foi durante a apresentação de um coral formado por brasileiros e alemães, em Colônia. Um estranho choque cultural.

A capoeira é uma das coisas que mais identifica o Brasil fora do Brasil. Ver aquela menina sorridente, corpo esbelto, gingando de um lado para outro e trocando passos com outras meninas - e até homens - foi lindo de ver!

O que chamava mais a atenção, no entanto, era o fato de que a cada pirueta no ar, ela logo jogava as mãos na cabeça, num movimento meio desesperado tentando se certificar se o cabelo ainda estava completamente sob o véu. E na medida em que o jogo de corpos ia ficando mais intenso e mais rápido, mais ela se desconcentrava com o pano.

Achei isso tudo meio paradoxal. Em uma luta-dança cheia de movimentos corporais sensuais, abdomes travados e suados, a menina tentava esconder a todo custo até a  ponta do cabelo... Eu já tinha percebido que por baixo da camiseta do grupo de capoeira ela usava uma espécie de collant grossa cor da pele e um calçolão preto por cima, que impedia qualquer possibilidade de mostrar um pedacinho sequer do corpo da moça.

Ao mesmo tempo em que admirei aquela garota, por ela ter dado um jeito de fazer o que gosta dentro das limitações impostas pela religião, aquela cena me deixou um pouco indignada. É claro que vir de um país onde as mulheres desfilam praticamente peladas no carnaval, onde mostrar o corpo está longe de ser tabu, dificulta a minha compreensão sobre como algumas culturas consideram esse tema. Mas ainda assim, não consigo deixar de defender que as pessoas tenham o direito de ser livres em suas escolhas. Que elas possam decidir o que vão ouvir, vestir ou dançar, sem opressão ou ameaças religiosas.

Adoraria ter visto os cabelos da turquinha no ar, e suas mãos livres, o que deixaria seus impressionantes movimentos ainda mais bonitos.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Marta: "Está mais do que na hora de chegar à final e fazer diferente"

"Queremos ser campeãs mundiais para que realmente possamos ter um futuro melhor para o futebol feminino no Brasil", afirma a atacante da seleção brasileira em entrevista à Deutsche Welle.

 

No gramado do centro esportivo nos arredores da cidade de Düsseldorf, na Alemanha, a seleção brasileira de futebol feminino começa a ensaiar os passos rumo a uma possível conquista inédita: a vitória na Copa do Mundo. O treino comandado pelo técnico Kleiton Lima é intenso. O sol do verão germânico, implacável.

No cantinho do campo, deitada de bruços, uma das jogadoras recebe tratamento rotineiro de recuperação muscular na coxa direita, com um pequeno aparelho de contração. É Marta, a estrela do time. Sorridente, ela observa no visor do aparelho o tempo que ainda falta para seguir recebendo os pequenos choques. "Podemos conversar agora, pode ser?", diz a alagoana à reportagem da Deutsche Welle, segundos antes de um dos integrantes da equipe técnica da seleção despejar sobre a cabeça da atleta uma pequena garrafa com água. "É batismo!", brinca o colega, diante dos risos de todos.

O clima de descontração ganha ar mais sério quando a alagoana de 25 anos começa a falar de sua determinação em levar para casa o troféu de campeã do mundo. "Está mais do que na hora de a gente chegar a essas finais e fazer diferente", sentencia, confiante.

Apesar do estupendo desempenho individual de Marta – eleita por cinco anos consecutivos a melhor jogadora do mundo – o time brasileiro vem sentindo nos últimos anos apenas o gosto amargo do segundo lugar: o vice-campeonato da Copa do Mundo de 2007, na China, e duas medalhas de prata nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, e de Pequim, em 2008. "No Brasil, o segundo lugar não é considerado. Claro que não é um título, mas para o futebol feminino, que já passou por vários momentos difíceis, chegar a duas finais de olimpíada e uma de mundial é grande coisa", diz a atacante.

Atualmente jogando no New York Flash, dos Estados Unidos, a "Rainha Marta" avalia que, apesar da força do futebol norte-americano, são as alemãs que oferecem mais perigo neste mundial. "Quando você tem a torcida a seu favor, dá uma motivação a mais", explica. Ela garante, no entanto, que o grupo não vai se intimidar se topar com as alemãs ao longo da competição. "Temos que estar preparadas para enfrentar qualquer equipe", diz.

Deutsche Welle: Vocês estão otimistas com esta Copa na Alemanha? É a vez do Brasil?

Marta: Estamos super animadas e o otimismo existe sempre quando se trata de uma competição de alto nível, como é uma Copa do Mundo. E pelo fato de a gente vir já há muitos anos se destacando mundialmente nos torneios mais importantes, vai crescendo cada vez mais a vontade de conquistar um título de alto nível. A equipe está bem representada, tem meninas novas e também outras com bastante experiência. Espero que essa mistura de experiência de juventude possa trazer bons resultados já na estreia, para que a gente possa começar bem.

Como controlar a ansiedade neste momento?

Estou super tranquila, tento passar isso para as meninas também, para que quando chegar o momento certo a gente possa definir as coisas e não ter nada que atrapalhe psicologicamente. Agora vamos ter mais uma chance. Está mais do que na hora de a gente chegar a essas finais e fazer diferente. Já passamos por finais, já sabemos como é jogar em uma. Então encaramos de uma maneira não mais fácil, mas mais tranquila.

Das três equipes adversárias desta primeira fase (Austrália, Noruega e Guiné Equatorial), qual deve ser a mais dura?

Todas serão bastante difíceis, são adversárias que nós não temos tanto conhecimento. A não ser a Noruega, sabemos o estilo de jogo delas – um estilo bem forte, uma pegada bastante intensiva, com muita marcação. A Austrália vem se preparando já há algum tempo, é a atual campeã da Ásia, tem meninas novas, com alto nível. E por ser estreia também vai ser bastante difícil.

Existe a pressão da estreia?

Sem dúvida, a pressão sempre existe quando se trata de Brasil. E isso acontece devido aos destaques que viemos conquistando ao longo do tempo, como o vice-campeonato mundial (2007), e as duas medalhas de prata nas Olimpíadas (2004 e 2008). A pressão vem não apenas por parte do público brasileiro, mas também do público mundial, que já tem uma visão diferente da equipe brasileira.

Qual seleção deste mundial deverá dar mais trabalho para o time brasileiro em futuros confrontos?

Sem dúvida será a Alemanha, por estar jogando em casa. Sem menosprezar as outras equipes, mas quando você tem a torcida a seu favor, é lógico que isso dá uma motivação a mais. E também pelo fato de a Alemanha ser bicampeã mundial e estar sempre se destacando em competições de alto nível. É uma escola que já há muitos anos está em primeiro e segundo lugar no ranking. Mas o Brasil neste momento está pensando na estreia, nas três equipes que vai entrar no seu grupo nesta primeira fase. Temos que pensar uma coisa de cada vez. Mas se vier a Alemanha, ou os EUA, ou qualquer outra equipe que seja, temos que estar preparadas para encará-las.

Vocês chegaram a ver a partida da Alemanha contra o Canadá?

Vimos muito pouco. Aproveitei quando fui para a coletiva de imprensa, vi alguma coisa, mas não dava para me concentrar nas perguntas e ver o jogo ao mesmo tempo. Mas vimos que o Canadá é uma equipe muito forte, tanto que a Alemanha ganhou de 2 a 1, num jogo bem apertado. Sabemos que este Mundial será assim: com equipes fortes, um nível muito alto.

Como você está preparando para a marcação individual cerrada que os treinadores das equipes adversárias do Brasil provavelmente estão planejando?

Eu já convivo com esta pressão há muito tempo. A partir do momento em que você se destaca, recebe maior atenção por parte da imprensa e das adversárias. Em vez de colocar uma na marcação, eles colocam duas, uma na sobra. Acho que não vai ser diferente neste Mundial. Mas, se isso acontecer, espero que abra espaço para as outras meninas e elas possam aproveitar bastante.

Uma vitória nesta Copa poderia ajudar a mudar o cenário do futebol feminino no Brasil?


Essa é uma esperança que a gente tem: poder conquistar um título de alto nível, como uma Copa do Mundo, ou brigar por uma medalha de ouro nas Olimpíadas, para que a gente possa ter algo em mãos para reivindicar. Em geral, no Brasil, o segundo lugar não é considerado. Claro que não é um título, mas para o futebol feminino, que já passou por vários momentos difíceis, chegar a duas finais olímpicas e uma de Mundial é grande coisa. Mas a gente não quer só isso. Queremos ser campeãs mundiais para que realmente possamos ter um futuro melhor para a modalidade dentro do país.

Autora: Mariana Santos
Revisão: Alexandre Schossler

Meu dia de tiete

Ela passou de fone no ouvido, umas meias diferentes esticadas até a coxa, cabelo preso. Parecia estar mais preocupada em achar a música certa no aparelhinho de som do que no que se passava em volta.

Antes que ela subisse no ônibus da seleção, eu a abordei e pedi uma entrevista curtinha depois do treino - para onde elas seguiriam nos próximos minutos. Marta, a estrela do time brasileiro, paparicada pela equipe técnica, pelos jornalistas e pelos fãs, topou sem exitar. Só me pediu para avisar a assessoria de imprensa.

Passei os minutos seguintes imaginando o que devia passar na cabeça daquela garota (sim, é uma garota de 25 anos) nascida no interior do Brasil, no sertão de Alagoas, e que agora brilha no mundo. Como deve ser a sensação de ter sido escolhida por cinco, cinco vezes!, a melhor jogadora de futebol do mundo?? Logo futebol!! Imaginei como havia sido o caminho até lá. "Bem difícil", ela me respondeu com o microfone já desligado, depois da entrevista formal sobre suas expectativas com a Copa de Futebol Feminino, que começou na semana passada aqui na Alemanha.

Que admiração! Que talento! Que garra! E ela é nossa!! Assim como o Pelé, como o Zico, como o Ronaldinho, a Marta é verde-e-amarelo. Com a diferença que, mais do que "apenas" jogar bola, ela precisou lutar contra todo o tipo de preconceito, de desestímulo e contra a estranha desvalorização do futebol feminino no país mundialmente famoso pelo... futebol!

Eu e a Melhor do Mundo conversamos após o treino. Ela me deu respostas firmes e seguras, coisa de quem manja bem sobre o que está falando - e de quem já deu respostas parecidas zilhões de vezes, como sempre acontece no futebol. O papo mulherzinha veio logo em seguida, quando eu já não gravava mais nada: ela contou que curte invernos gelados (adora usar botas e aqueles casacões elegantes) e que gostava de andar de trem quando morava Suécia. Falamos até sobre depilação e viagens.

Tive a impressão de que ela, ao mesmo tempo em que ainda parece ficar um pouco constrangida diante das colegas de uniforme por ser o centro das atenções, tem consicência de que fez por merecer. Aceita o super talento que tem sem ser pedante. Faz questão de mostrar que ainda é a menina de Dois Riachos.

Virei ainda mais fã!

Abaixo as meias pretas!

Engraçado como a gente consegue enxergar melhor nossas particularidades quando está fora de casa - o nosso Brazilian way of life. As diferentes formas de pensar, de se vestir, de se comportar (de escrever, no meu caso que lido diretamente com textos) entre pessoas de nacionalidades distintas são interessantes e, ao mesmo tempo, assustadoras.

Algumas coisas do cotidiano aqui na Alemanha ainda têm esse efeito sobre mim - ainda incluída na categoria de "recém-chegada". Um exemplo são as meias pretas. Como gostam de meias pretas! Especialmente com tênis. As pessoas vão malhar, jogar bola, correr no parque de meias pretas. Pouquíssimos coleguinhas de academia usam meias brancas, como as minhas.

Reparei nisso no dia em que desci do vestiário - que fica no terceiro andar - para a sala dos aparelhos, no primeiro. Eu, minha calça legging coladésima, minha blusa igualmente justa e, claro, as meias brancas (de cano médio puxadas para cima). Normalíssima em Brasília. Um ET em Bonn. Além da cara de "que roupa é essa, minha filha?!", os olhares de todos pousavam, em algum momento, sobre as minhas meias. Eu me senti quase como aqueles turistas norte-americanos que usam meia branca até o joelho, calça caqui, colete e câmera fotográfica no pescoço. Fiquei com vontade de rir de mim mesma, imaginando que aquele povo usando meia preta e fazendo uns exercícios de alongamento mega bizarros para os meus olhos tupiniquins (eles se alongam de maneira diferente também) estavam achando graça do meu jeito "normal" de me vestir.

Dormir aqui também se tornou um problema. Além do azar de já estar na segunda casa e sofrer com o segundo colchão horroroso, ainda não me adaptei ao travesseiro à moda germânica. Ele é um quadradão, 80 X 80 cm, que afunda e fica fino quando você coloca a cabeça. Horrível. Jana, minha amiga-irmã alemã, ficava indignada quando eu perguntava como é que ela conseguia dormir com aquilo. "Como você consegue dormir com esse tijolo!!", ela devolvia. Procurei outros tipos de travesseiros nas lojas. Eles têm vários outros, mas nenhum igual a esses que estamos acostumados. Meu jeitinho está sendo dobrar o bendito ao meio.

E assim a gente vai se adaptando...