sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Pelo direito de esconder minhas vergonhas!

Às vezes acho que estou até avançando rápido no meu gradual processo de germanização. Há uns dois meses meu veículo de transporte é uma bicicleta, meu armário já está cheio de roupas da cor marrom e hoje em dia salada, para mim, tem que ter pepino, senão fica faltando alguma coisa - em pensar que eu praticamente não comia pepino na casa de mamãe... Passei a ser fã de pão preto, do Kürbiskernbrötchen (pãozinho com sementes de abóbora, hummm... delicioso!) e das já conhecidas linguiças alemãs. E sim, eu bebo cerveja quente na maior!

Mas há dois fins de semana descobri que ainda faltam passos bem mais largos para incorporar a cultura germânica ao meu Brazilian way of life. Um exemplo disso seria começar a ficar peladona na frente de quem quer que seja - e agir como se nada estivesse acontecendo - em saunas.

Não dá! É contra os meus princípios! Da mesma maneira que encarar aquele vai e vem de corpos desnudos também me incomoda. Muito! Seja jovem, velho, criança. Não me sinto confortável e acho difícil mudar essa questão na minha cabeça aos 30 anos de idade. Sou geração pós-Adão e Eva, totalmente a favor de genitálias devidamente cobertas por calcinhas, calçolas ou mesmo folhas de bananeira.

Pois bem, tivemos a fantástica ideia de comprar no Peixe Urbano da Alemanha um 'vale dia-feliz' em um Sauna Park localizado em Königswinter, região próxima de Bonn. Um lugar bonito, bem verde, com várias casinhas de saunas espalhadas por um belo jardim. Eu e mais três amigas do trabalho chegamos no tal lugar por volta do meio-dia, chovia para caramba. Nas mochilinhas, claro, os biquininhos das moçoilas.

Na verdade, nós já sabíamos que as pessoas ficavam peladas nas saunas de vários países da Europa. Com relação às terras germânicas, pelo menos, eu tinha certeza desde o episódio com a minha então sogra alemã que me obrigou a ficar nua (!) com ela (!!!!!) na sauna da academia onde ela malhava. "Mas você vai colocar biquini? Não, por favor, vai chamar muita atenção!". Achei sem noção ela me pedir isso, mas em nome do bom relacionamento com a família do cara resolvi tirar os trajes e entregar para Deus. Também só estávamos nós duas no lugar, foi relativamente fácil. Mas na hora eu pensei: "e eu viajo 10 mil quilômetros para ver a minha sogra pelada... ninguém merece!"

Mesmo após esta experiência eu confiava que, escapando pelo "minha religião não permite", eu poderia ficar mais escondidinha de biquini em um cantinho da sauna sem que ninguém percebesse. Mas é claro que a combinação biquini + conversa em português + cor da pele (eu eu uma moçambicana já chamávamos suficiente atenção para o fato de que éramos estrangeiras) não poderia ajudar muito no nosso plano de passarmos imperceptíveis aos olhos dos peladões. Logo na segunda casinha, que ficava em uma área maior, uma funcionária do lugar nos abordou perguntando se era a primeira vez que íamos a uma sauna na Alemanha. Diante da nossa confirmação, ela continuou:

- É que aqui as pessoas ficam sem roupa. Sem biquini, nada. Vocês até podem andar de toalha pelo parque, mas dentro das saunas é preciso tirar tudo. Sabem como é, as pessoas reparam...
* (eu) Mas... em tese as pessoas não deveriam ficar se olhando dentro da sauna, certo? Se eu fico lá em cima, como é que as pessoas reparam?
- (tela azul)... é que já vieram reclamar. Vocês estão incomodando as pessoas assim... vestidas...

Simpática, coitada, ela ainda ficou toda feliz ao saber que éramos brasileiras. A irmã mora em uma cidade perto de Blumenau, disse. Antes de sair, ela ainda deu uma dica: "ela (eu) está de biquini sem alça, não chama tanta a atenção quando está de toalha entre uma sauna e outra. Tirem pelo menos a parte de cima".

Pois bem, muito a contragosto tiramos o sutiã. mas só fiquei sentada com o joelho encostado no peito a partir de então. Era hora do Aufguss, que eu chamo brincando de "defumação propriamente dita" - nada mais é do que uma funcionária do spa jogar o aromatizante nas pedras quentes e soprar o vapor para a nossa cara. A velharada, sorrindo, abre os braços e coloca as mãos atrás da cabeça para sentir melhor o bafo quente perfumado. "Nossa, que experiência mais diferente", murmurou uma amiga no meu ouvido, bem meiguinha. Eu segurando para não explodir de rir.

A etapa 2 consistia em esfregar sais do Mediterrâneo no corpo inteiro - fora da sauna, claro - tomar mais uma vaporzada e, por fim, uma ducha. Momento tenso porque era todo mundo pelado e se esfregando sal. Eu até gostei da ideia de tomar um bom banho de sal (infelizmente não era grosso) para espantar o mal olhado, como já recomenda o Candomblé. Mas eu e minhas companheiras ficamos absolutamente sem-graça com aquela cena. "Vamos fingir que estamos sozinhas aqui", alguém falou. Que tortura!

Depois do segundo Aufguss, fomos tomar banho. Sentimos umas caras feias para a gente, do tipo "o que estão fazendo aqui, suas vestidas?". Mas prosseguimos. Resolvemos desistir das saunas e nadar em alguma piscina dentro do prédio, já que a chuva não dava sinal de trégua. Novamente, pessoas nuas. Ficamos num cantinho, conversando. Olhares reprovadores.

Imagem do fôlder do Saunapark: lá, não tinha ninguém de toalha!

Por fim, deixamos a piscina a fim de ir para uma das banheiras de hidromassagem. Lá poderíamos ficar apenas nós quatro sem ninguém cobrando. Ledo engano. Com o jato da hidromassagem, estávamos praticamente gritando para conversar. Em português. Na minha tese, talvez isso tenha irritado até mais do que nossos corpitchos ligeiramente cobertos. A moça simpática reapareceu e disse bem claramente que uma senhora estava reclamando da gente. O motivo? "Elas estão vestidas, não seguem as regras!". Quase não acreditei. Resolvemos então, todas, tirar novamente o sutiã. Assim, ninguém poderia ver que estávamos de biquini.

De nada adiantou. Passados mais uns 10 minutos, veio a chefe do lugar. Ou tirávamos a roupa, ou teríamos que sair. Tentei argumentar. Disse que para mim era terrível tanto ficar nua quanto olhar aquele tanto de gente desfilando sem roupa de banho (tinha um senhor de idade que andava de um lado para outro do jardim, o tempo inteiro, com aquilo tudo lá de fora). Observamos uma mulher mais velha, com uma cara fechada, acompanhando a conversa e balançando positivamente a cabeça para a outra que praticamente nos expulsava. Sorriso no canto dos lábios. Em quê eu poderia estar incomodando aquela criatura por simplesmente defender o meu direito de mostrar o meu corpo unicamente para quem eu quero? "Desisto, meninas, espero vocês lá fora".

Chutaram nossa bunda para fora. Com uma certa classe, mas fomos enxotadas. Poucas vezes na Alemanha eu me senti tão ofendida, humilhada. Todos escutavam a dura da funcionária, como se tivéssemos cometido algum crime! Engraçado que enquanto as meninas tomavam banho para se trocar eu só pensava na chegada dos portugueses ao Brasil. Os livros de história contam que quando se depararam com todos aqueles índios de peitos e pintos de fora, os europeus, com uma volumosa combinação de peças de roupa, logo mandaram que "lhes escondessem as vergonhas". Ficaram indignados com a nudez dos habitantes locais, explicada em parte pelo clima quente e úmido do litoral do nordeste brasileiro. Olhando assim eu me senti mais alemã do que os próprios alemães. Por influência dos europeus eu não sou mais a índia da história. Se me ensinaram a ser assim, agora me deem o direito de esconder as minhas vergonhas!

Por fim, o que me deixa indignada é a hipocrisia. Consideram que a nudez de homens e mulheres em um local público representa os valores amadurecidos em uma sociedade supostamente moderna, livre e igualitária. Mas isso se revela uma grande fachada no momento em que ela passa a ser forçada, atropelando o direito do outro de ficar, simplesmente, vestido.

2 comentários:

  1. Cara, eu já imaginava as saunas assim na Europa e confesso que nunca tentaria. Vc é muito corajosa!

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  2. Hahahaha. Não tinha lido essa, Maria. Qualé? Fica logo peladona, pô! Não acredito que você ficou com essa vergonha toda. Um monte de gente desconhecida, poxa. (só o caso da sogra que é bem esdrúxulo mesmo, que hilário!) No Japão tive que passar por isso também, embora homens e mulheres não ficassem no mesmo lugar e não tivesse sogra por perto. E eu achava que todo mundo ia ficar olhando pra mim e pro meu corpo beeeem diferente do das japonesas (Imensos, hein?). No fim das contas, quem não parava de olhar pra todo lado e ficava analisando as diferenças, com muita curiosidade, era eu. Mas, ah, sinceramente... agora pelo menos você já sabe que existe uma Mariana em Bonn e outra em Brasília. E, embora você seja a mesmíssima pessoa, aqui você adota um código de conduta, e aí você adota outro, ou seja, admite logo mostrar as vergonhas na frente da velharada toda. Desafio você a ir de novo. Só não vale querer botar em prática os costumes daí do lado de cá. Já pensou se Caldas Novas fosse assim? Je-suis!

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