quinta-feira, 22 de março de 2012

O cheiro de casa

Um ano. O tempo se esvaiu na correria do cotidiano, nas pequenas pendências semanais, nos bons e maus momentos que se passaram desde que deixei o Brasil, e eu nem percebi. Um ano! Em março do ano passado eu não imaginava entrar 2012 com tantas contas na gaveta endereçadas à Frau dos Santos Batista, com um endereço fixo (!) em Bonn e ainda tantas ideias na cabeça. Os três meses se esticaram e eu não tinha me preparado. Talvez o inconsciente tenha me arrastado pelos cabelos e os aniversários, o natal e o réveillon embolaram-se numa sucessão de fatos e me devoraram. Fiquei entorpecida. E só me dei conta disso quando coloquei novamente os pés em solo candango.

Voltar a Brasília apenas de férias foi uma experiência confusa. A correria de agendar encontros com amigos de longa data, amigos de sempre, por simplesmente precisar matar as saudades por não saber quando voltaremos a nos ver. Reencontrar a família com aquele antecipado aperto no peito de saudade. Dar aquele abraço forte, que nenhuma versão de Skype ou Facebook ou Messenger até hoje conseguiu substituir. Curtir o colinho da mamãe. Ouvir português nas ruas, ler a minha língua materna nas placas – e achar tudo isso engraçado, de certa maneira. Sentar à frente da manicure, já velha conhecida, e passar longas horas pintando as unhas e conversando amenidades.

Dia desses recebi um artigo sobre readaptação na volta ao lar de pessoas que passaram muito tempo longe de sua terra natal. A dificuldade de se ver de novo na sua vida, aquela que você mesmo construiu e em algum momento teclou o pause para viver outras coisas. Talvez seja assim o dia em que eu e minhas malas (ou o contâiner?) embarcarmos só com o bilhete de ida. Por enquanto, a sensação que tive ao voltar a Brasília agora, ainda que por pouco tempo, foi a de ter jogado na cara o fato de que eu realmente tenho duas vidas. Uma na terra brazilis, onde tudo pareceu tão igual e tão diferente, onde meus pés de alguma maneira permanecem. E outra na Alemanha, minha nova casa – onde tenho meus móveis, meus chás e minha bicicleta – e que chamarei de fixa até quando ela existir.

Sobretudo constatei, feliz, que não há distância que separe amor de verdade. E que, ainda que minha Brasília ganhe novas ruas e prédios, ainda que vida dos brasilienses que conheço dê voltas – casamentos, filhos, empregos novos – tem uma coisa que não vai mudar nunca: o cheiro gostoso de casa.


Céu de Brasília visto do Parque da Cidade: amo!

2 comentários:

  1. Mari, sair do quadradinho é bom demais, mesmo quando é ruim. Sentir saudade parece que faz as coisas tomarem um gosto mais gostoso. Engraçado, só agora vejo as pessoas percebendo isso. Gente que por muito tempo só viveu por aqui e nunca entendeu muito bem porque eu tenho essa ânsia constante de cair no mundo. É que estar aqui é bom demais, melhor ainda quando a gente sente falta daqui. Demora um bocado de tempo para entender que o tal 'pause' não existe. Que as coisas continuam acontecendo enquanto a gente está fora. E que a volta não é bem volta, é continuação da vida. Isso vai acontecer com você também, em dado momento. Enquanto isso não acontece, aproveite, aproveite e aproveite mesmo. Porque o seu cantinho aí é seu, pertence a você e a poucas pessoas com quem você o compartilha e menos pessoas ainda terão o privilégio de conhecer esses teus dois mundos, que te são tão caros, ternos e especiais. Bom demais é ser querida por toda parte do mundo. E querer bem também, é um privilégio! Querer o lá, o cá, o tudo ao mesmo tempo. E saber que é impossível ter tudo é mais gostoso ainda, deixa a gente com aquele gosto pelo desconhecido, salivando para mais e mais. Um ano passa tão rápido, e é tão intenso. Muda a vida da gente pra sempre! Não existe mais a Mari sem Bonn, que bom. Continue a viver intensamente tudo o que a vida te proporciona nesse mundo - que é tão grande, tão diverso, tão maravilhoso! Mil beijos!

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  2. Flavinha, concordo totalmente com você. Mesmo quando é ruim, é bom sair de casa (de qual casa?). Eu me sentia muito assim quando estudava na UnB e voltava para Goiânia. É do ladinho, mas eram dois mundos bem diferentes pra mim. Agora, longe de tudo, tudo, eu vejo tanta coisa com outras cores, eu vejo tantas coisas que eu nem via, nem prestava atenção. Entendo a Mari quando diz que as coisas parecem iguais e tão diferentes e concordo com Flavinha quando diz que a vida continua. A gente guarda aquela imagem de quando deixou tudo e quando voltamos é aquilo, mas não é mais aquilo. É meio nostalgico, meio triste, porque as pessoas vão se distanciando, mas também é bom porque a gente se aproxima, de alguma maneira, de todas aquelas pessoas que têm tanto a ver com você e que, na correria do dia a dia, você nunca tem tempo de conviver direito. Ah, nem sei mais o que estou falando. Estou com saudades!

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